Para falar sobre esse livro transcrevo uma resenha de do poeta e professor Francisco Valdo de Albuquerque, que recebi do colaborador e amigo Sérgio Lima de Oliveira.
“O medíocre e o invejoso, segundo Ingenieros
Acabei de ler " O homem medíocre" do escritor ítalo-argentino, José Ingenieros. Um livro fantástico, publicado pela primeira vez em Madri em 1913. Embora tenha mais de um século, esse livro continua atual, pois Ingenieros escreveu sobre homens e mulheres sem ideais, pragmáticos, perdidos numa rotina rasa e automática.
Para Ingenieros o homem medíocre é aquele cuja ausência de caracteres pessoais impede que se possa distinguir entre o mesmo e a sociedade, vivendo sem que se note sua existência individual, permitindo que a sociedade pense e deseje por ele.
O homem medíocre é sinônimo de homem domesticado, se alinhando com exatidão às filas do convencionalismo social. A opinião dos outros é o que importa, são os escravos das sombras, vivem para o fantasma que projetam na opinião de seus similares. Porque pensam sempre com a cabeça social e não com a própria, são a escora mais firme de todos os preconceitos políticos, religiosos, morais e sociais.
O homem medíocre associa-se aos milhares para oprimir os que não comungam com a sua rotina.
Para Ingenieros, sem unidade moral não há gênio. Certamente não é gênio aquele que prega a verdade e transige com a mentira; aquele que prega a justiça e não é justo; aquele que prega a piedade e é cruel; aquele que prega a lealdade e atraiçoa; aquele que prega o caráter e é servil; aquele que prega a dignidade e rasteja.
O homem medíocre evita píncaros e abismos. Intranqüilo sob o sol meridiano e medroso durante a noite, procura seus arquétipos na penumbra. Teme a originalidade. O homem medíocre que, porventura, se aventura, tem apetites urgentes: o êxito. Não suspeita da existência de outra coisa que não o brilho do momento. O êxito é triunfo efêmero, a gloria é definitiva, perene. O êxito se mendiga, a glória se conquista.
Ingenieros diz que a mediocridade é mais contagiosa do que o talento. Pela simples razão que o talento incomoda, ninguém gosta nem procura o desconforto. O homem sem ideais e visões faz da sorte um oficio, da ciência um comercio, da filosofia um instrumento, da virtude uma empresa, da caridade uma festa, do prazer sensualismo. Conduz à ostentação, à avareza, à falsidade, à avidez, à simulação. O medíocre gosta das crises, pois só aí ele pode brilhar.
O homem medíocre é rotineiro, honesto, manso; pensam com a cabeça dos outros, condividem a hipocrisia moral alheia. Sua amizade é uma complacência servil, ou uma adulação proveitosa. O medíocre se vangloria de sua prudência, a aventura, seja de que natureza for, é sempre, para ele, um risco desnecessário, mesmo que importe em progresso pessoal ou coletivo, porém, a excessiva prudência dos medíocres paralisou sempre as iniciativas mais fecundas.
Um dos sentimentos que mais se aproxima da mediocridade é a inveja. Trata-se de um sentimento torpe, um dos vícios que causa mais mal à humanidade. O invejoso se coloca como cães de guarda, sempre alerta ao menor ruído. Basta alguém se destacar em alguma área, por mais ínfima que seja e lá estará o invejoso, pronto para apontar o dedo e tentar minimizar o feito de seu próximo.
Segundo Inginieros, a inveja é uma adoração dos homens pelas sombras, do mérito pela mediocridade. É o rubor da face sonoramente esbofeteada pela glória alheia. É a grilheta que arrastam os falhados. É o trago amargo dos impotentes. É um venenoso humor que jorra das feridas abertas pelo desengano da própria insignificância. Toda a psicologia da inveja está sintetizada numa fábula, digna de ser incluída nos livros de leitura infantil. Um sapo barrigudo coaxava num lodaçal, quando viu resplandecer no alto de umas pedras um pirilampo. Certo de que nenhum ser tinha direito de exibir qualidades que ele próprio jamais possuiria, e mortificado pela sua própria impotência, saltou sobre ele e cobriu-o com o ventre gelado. Por que me tapas? Ousou perguntar-lhe o inocente pirilampo. E o sapo, congestionado pela inveja, só soube responder com esta pergunta: E tu, por que brilhas?
É interessante como o invejoso não suporta ver nenhuma pessoa no espaço que ele julga ser seu. Se sente atingido, usurpado e se agarra, com unhas e dentes, ao espaço que ele acha que é somente dele. Uma sutileza interessante, já que o homem pré-histórico, movido pelo instinto brutal, destroçava o seu algoz, a fim de se apropriar de seus pertences.
O invejoso passa para o boicote, vai minando com fofocas e pequenas atitudes estrategicamente montadas, a fim de destruir o outro.
A inveja é uma confissão de inferioridade. Uma das coisas mais tristes da inveja é a sua pequenez: o estrito espaço dentro do qual ela se move. Ser invejoso é girar, eternamente, com um rato preso numa gaiola, dentro do alto-raio da maldade. A inveja nasce na incapacidade própria.
Segundo Ingenieros, Dante considerou os invejosos indignos do inferno. Na sábia distribuição das penalidades e castigos, fechou-os no purgatório, o que está de acordo com a sua condição medíocre. A inveja pertence aos corações pequenos. “
SOBRE O AUTOR:
José Ingenieros (Palermo, 24 de abril de 1877 — Buenos Aires, 31 de outubro de 1925) (cujo nome original foi Giuseppe Ingegneri), foi médico, psiquiatra, psicólogo, farmacêutico, escritor, docente, filósofo e sociólogo ítalo-argentino. Ele foi um representante destacado do pensamento positivista, sobretudo em seus primeiros anos. Também foi um dos fundadores do socialismo na Argentina, ainda que não tenha participado organicamente na atividade partidária.
O homem que pensa e diz, assusta muito, mas, medo mesmo dá aquele que se recusa a pensar.
ResponderExcluirParabéns pelas dicas de boas leituras.
Grata. Fique a vontade no nosso blog.
ResponderExcluirAcabei de reler recentemente a magnífica obra, após uns quarenta anos. O livro melhorou! Claro, essa é uma percepção subjetiva: eu é que estou mais apto a aproveitá-lo. Mas há um dado objetivo também; os anos transcorridos só fizeram confirmar as constatações, muitas vezes proféticas, do autor, a ponto de que o escrito parece mais atual hoje do que há meio século.
ResponderExcluirQuando recebi as minhas primeiras calças compridas, aos 15 anos de idade, meu pai me serviu um chimarrão na sua cuia preferida, mas nada me disse, talvez porque nessa altura não precisasse. Infelizmente, ele morreu poucos meses depois... Num cero dia, bem mais tarde, a dia a minha mãe sugeriu-me que lê-se alguns dos livros do meu pai que estavam na prateleira. Escolhi "O Homem Medíocre" apenas por curiosidade. Foi lendo esse livro que comecei a compreender e admirar o caráter do meu pai. Nunca esquecerei disso!
ResponderExcluirO "homem medíocre" é a síntese do Brasil de hoje!
ResponderExcluirEstou iniciando uma segunda leitura.
ResponderExcluirA primeira, há 6 anos, me deu a impressão que eu não atingira a profundidade exigida pelo autor. Agora acho que estou pronto. A lamentar apenas a triste constatacao que existem muito mais Homens medíocres que gênios em nossa sociedade.
Grata surpresa descobrir o interesse que este livro pode ter mesmo hoje, Porque para mim,na adolescência, no final dos anos 40, foi um livro básico, que achei por acaso em meio às antiguidades da família, e que nunca pude esquecer.
ResponderExcluirA inveja é uma arma de fogo perigosa na mão de quem não sabe atirar.
ResponderExcluirEsta obra me ajudou muito na vida; jamais esquecerei os seus ensinamentos.Louvores a este filósofo.
ResponderExcluirFoi muito bom lembrar, a mais de 50 anos
Abraços
Estou lendo pela segunda vez...... deveria ser um livro obrigatório no ensino médio....... instigante.
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